O manifesto da educação analítica

Por Ricardo Cappra

Um abundante universo de informações soterrou a humanidade em uma aceleração tecnológica sem precedentes, mas a grande maioria das organizações e indivíduos não foram preparados para lidar com todos esses recursos que estão à disposição. Informação, ciência e tecnologia se entrelaçam como áreas de conhecimento interdependentes para solucionar problemas reais do mundo, mas, até aqui, essas disciplinas não fizeram parte da educação básica da sociedade.

Atualmente, os dados são insumos muito valiosos no planeta, eles podem ser transformados em informações, orientar decisões e negócios,e até conduzir máquinas inteligentes, gerando assim um impacto estrondoso na sociedade e na economia global, prova disso são as companhias mais valiosas do mundo serem de tecnologia da informação. A transformação digital surge para ser um mecanismo de empoderamento dos indivíduos através do melhor uso de máquinas e softwares que os cercam, mas na realidade, tudo se resume à amplificação do fenômeno Big Data. As organizações mais poderosas do mundo, sejam elas sociais, privadas ou governamentais, são aquelas que administram fluxos de informações de maneira mais eficiente, e transformam dados em inteligência, seja essa inteligência de tipo analítica ou artificial. 

Você acaba de chegar à era analítica, um lugar onde os indivíduos têm a possibilidade de analisar dados e visualizar as informações através de diferentes perspectivas ou contextos. Os dados relacionados ao conhecimento coletivo agora podem ser armazenados, qualificados e organizados, gerando análises inéditas a partir de fatos e evidências disponibilizadas pela própria sociedade. Através de avançados recursos analíticos, e com grande poder computacional, já é possível realizar uma investigação crítica, sistêmica e em tempo real de dados, utilizando-se de sofisticados modelos matemáticos, processamento quântico de informação, e suporte de aprendizado de máquina, suprindo aquilo que o cérebro humano não tem condições de fazer sozinho, em razão de sua memória limitada e finita capacidade de processamento. Recursos tecnológicos cada vez mais amigáveis possibilitam análises descritivas, preditivas e até prescritivas, com taxas de erros cada vez menores quando as previsões são realizadas de maneira adequada. Sistemas ultravelozes de busca em bancos de dados, cada vez mais robustos, dão suporte à visões dinâmicas sobre a realidade, permitindo ainda a simulação de hipóteses, cruzamentos de dados, projeções de cenários, tudo isso amparado por modelos de armazenamento de conhecimento super potentes. Todos esses recursos estão disponíveis e a serviço da humanidade, mas atualmente servem a poucos indivíduos. 

Apesar de todo esse avanço, em especial dos recursos tecnológicos e da qualificação técnica, as habilidades analíticas da humanidade não foram aperfeiçoadas na mesma velocidade e qualidade, isso significa que todo o potencial informacional está restrito a um universo específico de pessoas, geralmente oriundas de um perfil técnico-científico, isso em parte explica o motivo das empresas mais poderosas do mundo serem da área de tecnologia. Não aprendemos na escola a explorar dados, e muito menos a navegar em novas possibilidades que eles apresentam, carregamos em nossas memórias iniciais as informações que foram transmitidas de maneira sequencial por professores, mas hoje, quando navegamos na internet, não encontramos a mesma narrativa, apenas um monte de dados não estruturados. Muitos desses dados inclusive contradizem o conhecimento que possuímos sobre algo, não necessariamente por despreparo dos professores que transmitiram o conteúdo originalmente, mas sim como resultado da falta de atualização do banco de dados no qual o tutor teve acesso quando foi formado. 

Com tantos dados, ciência e tecnologia à disposição, usufruir desses recursos e transformar isso tudo em informação qualificada demanda uma capacidade de análise nunca antes exigida, uma abordagem que mistura o potencial da crítica com os recursos tecnológicos, criando assim um pensamento analítico que, quando aplicado de maneira coletiva, se transforma em uma característica cultural da sociedade. A cultura é resultado da adoção de um hábito por um grupo de pessoas, quando uma prática analítica torna-se rotina, aquilo passa a ser parte integrante do ambiente de convívio. Atualmente, de maneira geral, a cultura analítica não é uma prática comum, ela não está enraizada nos hábitos dos indivíduos, já que as habilidades para isso não foram ensinadas, pelo menos não na formação da geração que atualmente encontra-se no mercado de trabalho. 

A próxima geração de profissionais será mais analítica, pois serão nativos digitais usufruindo de todo potencial tecnológico e informacional que tem à sua disposição, vivendo em um ambiente dinâmico e hiperconectado, com potencial de aprendizagem amplificado, em parte graças ao armazenamento e processamento de dados em escalas exponenciais, sendo o desenvolvimento da habilidades analíticas introduzido como uma parte da formação cultural. Não é possível afirmar que a próxima geração da sociedade será melhor, justa ou mais verdadeira em razão disso, mas é inevitável que ela seja a melhor informada, pois terá maior capacidade crítica e mais recursos para analisar as evidências, ou seja, será uma geração analítica. Nunca antes tivemos tantas possibilidades de armazenamento de conhecimento e tantos recursos para navegar nos dados que permitem alavancar as visões e oportunidades com relação aos fatos do mundo. 

Apesar de atrasados quanto ao desenvolvimento de habilidades fundamentais para lidar com tantas informações, a cultura analítica é um caminho sem volta, pois em um futuro próximo, independente de nossas crenças ou realidades, não haverá menos tecnologia e nem menos informação, viveremos em um mundo inundado de dados e consequentemente com muitas possibilidades analíticas. A educação analítica é uma urgência, sem inserir esses recursos e habilidades na base estrutural de nossa sociedade cria-se um abismo entre os privilegiados que analisam dados e tomam decisões - e ainda podem disseminar isso em larga escala através de algoritmos e inteligência artificial - e aqueles que não tem a oportunidade de participar ativamente desse processo. A educação analítica é um mecanismo de liberdade, que cria um movimento de ruptura contra a dominação política, sistêmica e algorítmica, gerando assim uma sociedade fortalecida pela cultura analítica, que possui ferramentas para pensar, analisar, criticar e julgar, a partir de evidências, a realidade à sua volta, utilizando-se ainda de poderosos recursos informacionais, tecnológicos e científicos que estão disponíveis no século XXI.

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*Esse manifesto foi escrito durante o desenvolvimento do plano 2025 do Cappra Institute por Ricardo Cappra, como inspiração para um movimento de educação que supera os limites do próprio instituto, e assim instiga um movimento não-técnico com relação às práticas analíticas, onde torna-se necessária uma mudança de hábito e uma transformação comportamental da sociedade nesta era da informação.

23.10.2022

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